A cena que eles imaginaram naquela sala de jantar
Um casal é assassinado na sala de jantar de sua casa. Não há testemunhas. Não há arma do crime. Demoram a estabelecer pessoas suspeitas. A investigação, mal conduzida, aponta para a filha das vítimas e seu namorado, que conseguem fugir. Anos depois, julgamentos marcados por cobertura intensa da mídia e vários jogos de narrativa. Cada um culpa a outra. Não é possível determinar o que de fato aconteceu. Jamais saberemos. É disso que Até que o crime nos separe: O assassinato do casal Haysom trata.
Esse é um aspecto que, ao mesmo tempo, frustra e estimula quem tá assistindo: não dá pra saber o que de fato aconteceu. Quem diz a verdade? O que de fato é verdade? Até o próprio documentário admite esse impasse. E as pessoas autoras deste fato horrendo fizeram questão de atirar a culpa para cada lado pelos últimos 30 anos.
Do ponto de vista jornalístico, não é ideal ter só um dos lados da narrativa de culpa presente. Digo isso porque Elizabeth Haysom não foi entrevistada, apenas Jens Soering. Lembro de, no momento que percebi isso, ter ficado receoso de que fosse focar demais no lado dele e que fosse acabar culpabilizando ela. Em partes, isso acontece de fato, afinal todos os depoimentos dele a partir de seu julgamento tiveram esse intuito. Por outro lado, ela tem seu próprio episódio para jogar a culpa nele também, e o fato de os últimos momentos do documentário se focarem em plantar a semente de "não dá pra saber quem está certo, talvez os dois sejam igualmente culpados e estiveram presentes naquela cena do crime" equilibra bem.
Do ponto de vista penal, achei interessante a luta do alemão contra a pena de morte e a prisão perpétua. De fato, são instrumentos desumanos bizarros. Inacreditável que ainda existam naquele país que alguns batem no peito pra dizer que é a maior democracia do mundo. Ainda que sempre passe a sensação de que ele estava mentindo ao dizer que era inocente, não apaga o fato de que os sistemas de justiça falham demais e que prender por prender não leva a nada.
Porém, como basicamente sempre em obras de True Crime, esses não são o ponto alto da discussão (e eu preciso de uma séria autocrítica da razão que me faz interessado no gênero). E não é só por se tratar de uma história chocante. Quer dizer, eles fugiram dos Estados Unidos até a Tailândia nos anos 80, é insano. Mas ainda acho mais impressionante como os estadunidenses sempre lidavam tão mal com esse tipo de situação. O crime ocorre e a primeira teoria da polícia é "foi um culto, não pode ter sido apenas uma pessoa. Olha o sangue no chão, fizeram um 666" (se referindo a movimentos circulares que pareciam mais de alguém tentando limpar a sujeira do que qualquer coisa demoníaca).
Fora isso, o fato de que a filha foi depor e fumava cigarro da mesma marca encontrada na cena do crime. Sempre tentam encontrar pelo em ovo, com teorias malucas, tudo mais complicado do que precisa ser, tentando culpar até dois usuários de drogas, fazendo uma tese de que ela seria amiga deles e que eles poderiam ter matado o casal, já que tinham sido presos por matar uma pessoa em situação de rua antes. Obviamente, não conseguiram provar nada por aí também.
Talvez seja incompetência. Interrogar mal, permitir que uma investigação se estenda por tantos meses sem pressionar propriamente as pessoas tidas como maiores suspeitas. Acho que não foi só isso. No fim das contas, Elizabeth é filha de família importante, com dinheiro. Jens, filho de diplomata. Ativa ou passivamente, houve um receio de perseguir o que as provas indicavam. Como se quisessem esgotar várias outras teorias que nunca conseguiriam explicar o que de fato aconteceu para não terem que bater de frente com a cena que eles imaginaram naquela sala de jantar.