Lobo em pele de lobo
Acho que eu tinha 13 anos quando assisti o filme Aos 13. Uma adolescente problemática faz o que se espera do esteriótipo de uma adolescente problemática: drogas, sexo, até furtos. Eu tenho certeza de que o intuito de quem deu play naquele filme numa sala de sétima série do ensino fundamental era apavorar todo mundo com as consequências de comportamentos que transgridem a ordem social.
Tô falando isso especificamente porque vários anos depois (talvez 8), me falaram: "assiste Westworld. É muito bom". Dei play. E reassisti. E realmente foi fantástico nas duas primeiras temporadas. Houve o momento em que a saga de Dolores Abernathy era a minha série favorita. Mas não passou pela minha cabeça que era aquela mesma atriz de Aos 13. E como poderia, depois de tanto tempo?
Ontem eu parei para pensar como é bizarro não sabermos nada sobre pessoas que, de certa maneira, temos carinho. De um jeito ou de outro, são pessoas que deixaram uma marca nas nossas vidas. Por atuação, música, direção, programas de tv ou de rádio, youtube, tanto faz. Em algum momento aquela pessoa foi importante pra você e você não fazia ideia do que ela tinha passado. É isso que faz a experiência de Phoenix Rising: renascendo das cinzas ainda mais dolorosa.
É assustador ouvir o que Evan Rachel Wood conseguiu relatar sobre os abusos que ela sofreu por Brian Warner, também conhecido como Marilyn Manson. E mais assustador ainda imaginar o que ela não conseguiu externalizar ali. De quebrar o coração. Difícil imaginar como uma pessoa é capaz de fazer tudo aquilo. E ainda assim, é. Independente de qualquer tipo de explicação através de sua criação, ele simplesmente o fez. São aquelas situações da vida que você repensa sobre abolicionismo penal. Pra um caso desses, não tem como se manter a calma.
Ainda mais porque Evan não está sozinha. Várias outras mulheres se pronunciaram enquanto vítimas e dão seus depoimentos no documentário. E é de revirar o estômago e afundar em tristeza o fato de nenhuma ter conseguido fugir dos abusos tão cedo, antes que virassem cicatrizes (literalmente, inclusive).
Kanye West foi a pauta do momento nos últimos anos pelo apoio a Trump e por seus fãs não darem o braço a torcer e seguirem relevando seu antissemitismo e machismo. O considero uma figura realmente deplorável, mas ele ao menos é transparente. Fala o que pensa (se é que pensa) o tempo inteiro. Não há muito esforço para esconder o que faz. Isso é o que me faz pensar como Marilyn Manson é uma figura muito mais perigosa. Todo aquele abuso escondido dentro de uma casca de "estou criticando as religiões, o nazismo, acolhendo os oprimidos e rejeitados". Como um disfarce bem em baixo de todos os narizes. Um lobo em pele de lobo.
Nenhum show, nenhuma turnê cancelada, nenhum disco não lançado, nenhum cancelamento pode reparar as atrocidades que ele cometeu. Nem mesmo a justiça. Mas o documentário mostra também que a luta política, e a luta política organizada, fazem a diferença. Evan, junto com ativistas contra violência doméstica, se mobilizaram para mudar leis por todo o estados unidos e prevenir que esse tipo de crime fique sem ser denunciado. Independente de se o problema será resolvido ou não, aquece o coração sua coragem e sua luta. E a esperança de que o amanhã seja sempre melhor do que o hoje.