Não entre aí, meu jovem. Você pode se machucar no escuro
Disclaimer: não joguei o jogo, só assisti a gameplay inteira. Por isso, não mencionarei aspectos relacionados à jogabilidade.
A esposa de um escritor com bloqueio criativo o leva numa viagem para uma pequena cidade, na tentativa de recuperar sua criatividade. Lá, ela some. Desnorteado, ele tenta encontrá-la, sem saber o que é real em uma história entre luzes e sombras. Eu queria ter conhecimento do enredo de Alan Wake muito antes. Lembro, com certa nitidez, que amigos me puseram pra jogar esse jogo na adolescência, mas a ocasião (festa na casa de alguém) e o meu medo de obras de terror me afastaram instantaneamente daquilo. Um cara aleatório andando numa estrada escura, tendo apenas uma lanterna pra se defender de sombras que te atacam? Tô fora. Tô muito fora.
O problema é que isso me privou de ter acesso a uma história muito intrigante. Enquanto enredo, Alan Wake é praticamente uma série de tv. Gostaria, inclusive, que o fosse. Ou talvez não. Não sei se conseguiria assisti-la, nem sei se faria sentido. Não dá pra achar que o sucesso de The Last of Us transformaria uma série de Alan Wake na próxima obra prima das adaptações dos videogames. E pra quê tanto pensamento desejoso se dá pra simplesmente aproveitar aquilo que temos?
Cidades pequenas terem seus "malucos da galera" são artifícios clichês, mas ao mesmo tempo quase obrigatórios em obras de terror. Aquele aviso de "não faz isso, não entra aí, fica longe de tal lugar", super batido mas ao mesmo tempo tão necessário. Não sou nenhum especialista no gênero, mas dá pra citar os objetos inanimados te atacando também como referência a Stephen King. O autor é citado nominalmente algumas vezes durante a jogatina, mas por outros motivos. Além disso, as tentativas constantes de fuga, os questionamentos sobre sanidade e realidade. Referências bem utilizadas numa vibe Lost, Wayward Pines, Twin Peaks.
Mas nada é perfeito, e o tal do suposto sequestrador é uma das pontas soltas que, sinceramente... Quem era aquele cara? Aonde ele foi parar depois? Por que ele disse que tinha sequestrado Alice? Essa parte foi muito sem pé nem cabeça. Mas o jogo sempre recompensa. As inserções de Night Falls nas tvs. O programa de rádio de Pat Maine. A entrevista no Harry Barret Show. As aparições do próprio Alan, em estado de insanidade, murmurando coisas sem sentido. Tudo te faz esquecer daquela pequena parte meio amarga.
Saboroso é ver o enredo do jogo fazendo referência a si mesmo como uma espécie de premonição constante devidamente documentada nos manuscritos encontrados por Alan pelo caminho. Há uma linha muito tênue entre o destino e o livre-arbítrio que nunca é enxergada. Afinal, ele está fazendo o que faz porque já está escrito ou está tudo escrito porque ele assim o fez? E quem escreveu? E quem o direcionou? Alan Wake é tanto o personagem quanto o escritor da história. Ou talvez seja Thomas Zane. Não dá para saber ao certo.
As confianças do protagonista são também as nossas, mas a história confronta tudo o que vemos e sabemos ao dizer "Wake, você está louco!". É difícil saber em quem acreditar, e mais prazeroso ainda por isso. Como se o enredo quebrasse a quarta parede apenas para se revelar dentro de outras quatro paredes do mesmo enredo inicial. Confuso, uma cobra mordendo o próprio rabo. Um lugar sem saída nem sanidade. Como disse o próprio Alan, "não é um lago. É um oceano".