Versão genérica

Sombra ou realidade?

Um detetiva chega a uma cena do crime. Uma mãe e uma criança brutalmente assassinadas. Minutos depois, um homem aparece ensanguentado na porta da casa. É o marido. Caso resolvido? Longe disso. Esse é o enredo de Em nome do céu, uma série baseada em fatos reais.

Não é fácil conseguir representar com fidelidade fatos que aconteceram. Não vou abrir essa discussão pra envolver memória, narrativa, perspectivas, respeito. É simples e evidente como é preciso ter muito cuidado com esse tipo de material. Também não sei se tem respaldo na realidade, mas acho que interpretar uma pessoa real deve ser mais difícil do que um personagem do zero, por mais simplório e medíocre que um ser humano consiga ser.

Fiz todo esse preâmbulo só pra tentar driblar o elefante na sala. É um caso horrível. A cada momento que se passa e uma nova camada de explicação é adicionada à linha do tempo, parece inacreditável. Quase ficção. Infelizmente, não foi. E incomoda ver uma obra cinematográfica tentar representar boa parte de todo o contexto. É preciso ser direto, é preciso escancarar relações. E eu defendo que não dá pra fazer isso tão bem quanto se faria com personagens fictícios. Quer dizer, Em nome do céu tem personagens fictícios. Justamente os protagonistas, detetives Jeb Pyre e Bill Taba. Mas, inseridos naquele inacreditável círculo de eventos reais, cada pensamento e ação, especialmente falando de Pyre, parecem fora do tom.

Andrew Garfield interpreta Jeb Pyre como um detetive mórmon que quase sempre está com lágrimas nos olhos. Há o peso do fato em si, mas também as contradições que a própria personagem sente em relação à sua religião. Ao mesmo tempo em que é esquisito e revoltante, é intrigante ver a mente dele entrando em parafuso, meio perdido, como se alguém o tirasse de dentro de uma caverna.

Mas esse ponto interessante é também uma estrada cansativa. São 7 episódios de investigação, tensão, flashbacks e espera. São detalhes até demais. Abordam assuntos inclusive da fundação da religião, tudo isso com episódios de 1h, fazendo com que assistir seja maçante. Se você gostar de teologia e seitas, talvez fique entretido, mas foi difícil pra mim desenvolver interesse nas teorias sobre poligamia e libertarianismo dos mórmons.

E esses são dois pontos muito bizarros de como o enredo caminha. Primeiro, por ver que foi uma religião fundada por um cara de 15 anos que queria descobrir "qual era a religião correta" e "deus lhe respondeu". Toda a perseguição que ele e seus seguidores receberam gerou teorias conflituosas, pensamentos de separação das leis dos homens contra as "leis de deus". Complexo e sobretudo manipulável, ao ponto de inserirem poligamia em algum ponto ali do meio, apenas porque ele tinha cansado da própria esposa e não podia se divorciar (ou assim conta a série).

Me perdi aqui no foco, mas é justamente isso o que Em nome do céu faz também. Talvez seja um ponto negativo, uma fraqueza. Por outro lado, levanta muitos questionamentos. Como se chega a esses níveis de manipulação e influência? Onde qualquer coisa vira possível quando alguém fala que ouviu de deus. Como os homens que cometeram aqueles atos conseguiram chegar tão longe? Completamente adoecidos mentalmente.

No fim das contas, Em nome do céu não é uma série sobre Brenda e Erica Lafferty e como elas acabaram assassinadas por um motivo completamente absurdo. É uma série sobre homens, suas maldades, seus questionamentos e dúvidas. Até seus detalhes sobrecarregantes ganham mais espaço que todas as mulheres vítimas daquelas atrocidades (não só as duas, como também demais esposas e filhas envolvidas na família). Uma série que, ao tentar contar a história, fica à deriva em seus dois lados: o real e o que não depende da realidade.