Versão genérica

Volta

Sequência de: Ida

No Anhangabaú como se fosse um ônibus
Cada ponto de espera se transforma em cágado
Não viu necessidade em tanto currículo
Se torna insuportável em meio a tanto trânsito
Queria que faltasse mais dias pra sábado

Sem tanta esperança em ser um dia próspero
Se o dia deu certo, será um veículo
Da história principal estou vivendo o prólogo
A falta de coragem já veio de fábrica
E minha confiança tá com pouco crédito

O fim é o começo, como fosse bíblico
E tudo se repete em ritmo baiônico
Com toda aparência da cidade bárbara
A desumanidade não encontra término
Dentro de bairro rico, só desejo pútrido

A fome me tomou como ressaca alcoólica
Por toda a lentidão da avenida América
Por mais que seja triste não quero diálogo
Todo transporte tem uma ritualística
Mas pra chegar ainda faltam uns quilômetros

Se eu não retornar com um toque necrótico
Na pressa de viver como uma alma nipônica
Um maldito destino que não tem logística
Cidade entupida em cada metro cúbico
Mas todo o meu drama é uma morte ínfima

O resto do caminho já no automático
Encarando catraca com olhares plásticos
Só desejando muito mais um livre tráfego
Prestando atenção na conversa solícita
A bordo, o comandante é motorista enérgico

Toda distância como tortura satânica
Olho pelas paredes, não decifro o código
De longe pareceu uma casa de político
Em toda marginal, desmatamento ético
A vida no futuro é motivo de pânico

Acham normal viver nesse clima caótico
A cada quatro anos se equipam bélicos
O que importa é sempre só o velocímetro
Não passa um pensamento nunca sobre o próximo
E sentem um prazer prendendo todo pássaro

Reinam hipocrisia em sagrados cânticos
Tratam todas as crenças como fossem únicas
Impõem seus argumentos como fossem válidos
Enquanto embolsam cédulas, as milionésimas
A cura vai passar por ter ajuda médica

Fazendo a mesma rota parecer um círculo
Em cada enlatada, visão claustrofóbica
Gente amontoada em forma labiríntica
Não tem como escapar desse momento histórico
Os passageiros descem como fossem vômito

Tanto tempo cruzando um terreno inóspito
Cada pessoa viva alma penada mórbida
Nos colocaram aqui sem mesmo um inquérito
Nos tentam enfiar pensamento retrógrado
Pra nos fazer da nossa própria terra hóspedes

E sonham de modelo um pensamento nórdico
Respondem o que sabem de maneira histérica
Conseguem convencer com seu discurso etílico
Só vai se resistir em conclusões mais céticas
Só se ficarmos vivos na crise climática

Todos ligados juntos em momento cármico
Não fazem nem ideia do que são os trópicos
Estão presos demais nos proparoxítonos
Sem nem criticidade em seus delírios frásicos
Como uma própria vida em cadeira elétrica

Imerso nos anseios, essa volta é rápida
Baldeação aberta pra todo munícipe
São hordas e mais hordas de forma idêntica
Capacidade atinge fácil o seu cúmulo
Só cabeça de gado em um clima fúnebre

Desceu a sabará em ladeira facínora
Sustenta o seu cansaço através do fígado
A fome se rebate em todas as vértebras
Por essa condição, não se tem mais estômago
Cada anúncio seu é um evento sísmico